A PRÁTICA MEDIÚNICA ESPÍRITA NOS TEMPOS DE PANDEMIA

Marta Antunes Moura

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Sabemos que as obras publicadas por Allan Kardec  resultam da concordância de orientações transmitidas por Espíritos orientadores nas reuniões mediúnicas provenientes de diferentes locais do Planeta, como ele assevera em O Evangelho segundo o Espiritismo: “Na posição em que nos encontramos, recebendo comunicações de perto de mil centros espíritas sérios, disseminados pelos mais diversos pontos do globo,  estamos em condições de observar sobre que princípio se estabelece essa concordância.”1

Tal fato nos conduz à convicção de que o insuperável trabalho de ordenação metodológica dos fundamentos espíritas − brilhantemente sintetizados por Allan Kardec  na Introdução VI de O Livro dos Espíritos, sob a denominação genérica Pontos principais ou importantes da Doutrina  − e, em especial no que diz respeito à  prática mediúnica séria, apresentam regras que nos fornecem a devida compreensão dos processos de intercâmbio mediúnico entre os dois planos da vida.   A prática mediúnica espírita não é atividade banal. Ao contrário, exige-se conhecimento e compromisso moral. Não é algo que se faz por acaso, aleatoriamente ou de forma precipitada.  Deve ser revestida de cuidados, pois envolve ações que atuam diretamente na parte mais nobre do ser humano: o seu psiquismo.

A imprudência na realização de reuniões mediúnicas tem conduzido, não poucas vezes, a resultados nefastos que poderiam ter sido evitados ou amenizados, tais como: processos obsessivos de curto, médio e longo curso, mistificações grosseiras e exacerbado animismo.  São ocorrências diretamente subordinadas  ao nível de conhecimento moral-intelectual do médium, propriamente dito, e dos demais membros integrantes da reunião mediúnica que, segundo Allan Kardec, podem ser agrupados em três categorias principais:

 1°─ Os que creem pura e simplesmente nos fenômenos das manifestações, mas que não lhes deduzem nenhuma consequência moral;

2°─ Os que veem o lado moral, mas o aplicam aos outros e não a si próprios;

3°─ Os que aceitam para si mesmos todas as consequências da Doutrina, e que praticam ou se esforçam por praticar a sua moral.” 2

Faz-se oportuna, pois, a reflexão de que, se em tempos de normalidade, podemos assim nos exprimir,  devemos implementar os cuidados e controles necessários  relacionados  à boa prática mediúnica  espírita, o que dizer do que fazer nos tempos de exceção, como os  que vivemos na atualidade, sob a subjugação de grave  enfermidade pandêmica, cuja  elevada taxa de transmissão, atingiu, em reduzido período de tempo, toda a humanidade terrestre? Importa considerar que estamos diante de um fato concreto: de um momento para o outro todas as atividades que caracterizam a existência planetária foram abaladas pela pandemia do coronavírus, cujo agente infeccioso é um vírus denominado Covid-19 – em que Covid = Corona Virus Disease (doença do coronavírus), enquanto 19 se refere ao ano de 2019, quando aconteceram os primeiros casos  em Wuhan, na China, foram divulgados publicamente pelo governo chinês, no final de dezembro. O vírus é um SARS-CoV-2 (um coronavírus).  

Ante a pandemia, a reunião mediúnica presencial se revela impraticável, sobretudo por tratar-se de doença transmissível e infecciosa de natureza respiratória: o ar fica impregnado de partículas ou gotas de saliva (perdigotos) saturadas do agente microbiano. Ora , em ambiente fechado, como as salas de reunião mediúnica, há, usualmente, pouca circulação de ar (o ar que circula, quente ou frio,  é considerado “viciado”, por estar restrito à captação e transmissão por meio de aparelhos ).  Aliás, mesmo em situações comuns, como da ocorrência de simples resfriado, por exemplo, recomenda-se ao membro da equipe ausentar-se da reunião até a recuperação da enfermidade. Não se trata, aqui, em uma ou na outra situação citada,  de  resolução  doutrinária espírita, mas da execução de simples norma higiênico-sanitária.

Com a pandemia vigente  surgiu, e  sem maiores ponderações, a proposta de realização de reuniões mediúnicas virtuais, pois temos à nossa disposição instrumentos da tecnologia. Nessa situação,   o intercambio mediúnico prosseguiria, estando os integrantes da equipe no respectivo lar ou escritório. Contudo, ao analisar de perto a questão, outras surgem:  podemos garantir que haverá qualidade na prática mediúnica? Os médiuns, ostensivos ou não, dialogadores e membros da equipe de apoio podem se conduzir livre e tranquilamente de acordo com os devidos cuidados prescritos pelo Espiritismo? Estarão livres dos Espíritos perturbadores (nem nos referimos aos obsessores!)?  É possível evitar qualquer vinculação indesejável, decorrente das afinidades e sintonias? como socorrer alguém que manifeste dificuldade ou descontrole? Se algo acontecer, alguma ação mais contundente ou incisiva por parte do Espírito comunicante, estaria o médium ou demais participantes aptos a resolver, e sem sequelas?

Ponderemos: se no dia-a-dia não é fácil evitar a ação de entidades perturbadas e perturbadoras, que vez ou outra, e por descuido do medianeiro, manifestam-se nas reuniões mediúnicas sérias, o que podemos fazer, em sã consciência, em relação às reuniões que nos escapam o controle, em geral? Se nas reuniões presenciais é desafiante administrar o puro mediunismo ou mistificações, imaginem lidar, à distância, com o médium que apresenta descontrole e não consegue administrar, de imediato, ações de certos Espíritos que pululam à sua volta? Há riscos, sim, e precisamos estar atentos.

Ante tais ocorrências, surgem outra opção fornecida por alguns confrades:  a de só permitir a manifestação de Espíritos superiores durante as reuniões mediúnicas virtuais! Contudo, é muito desafiante encontrarmos médiuns que, efetivamente, possuem a capacidade de ligação mental e moral com os orientadores da Vida Maior. Tais médiuns ainda são poucos! Contamos nos dedos os médiuns que apresentam tais condições, pois, estabelecer vinculações com benfeitores pressupõe um certo nível de moralidade por parte do medianeiro. E, a despeito de a condição moral do médium não ser requisito  para que ocorra uma manifestação mediúnica, na reunião mediúnica espírita  a influência moral  é imprescindível, sobretudo em se tratando da transmissão de mensagens provenientes de Espíritos esclarecidos.  O Espírito Emmanuel esclarece a respeito: “O médium sem Evangelho pode fornecer as mais elevadas informações ao quadro das filosofias e ciências fragmentárias da Terra; pode ser um profissional de nomeada, um agente de experiências do invisível, mas não poderá ser um apóstolo pelo coração. […] O apostolado mediúnico, portanto, não se constitui tão-somente da movimentação das energias psíquicas em suas expressões fenomênicas e mecânicas, porque exige o trabalho e o sacrifício do coração, onde a luz da comprovação e da referência é a que nasce do entendimento e da aplicação com Jesus Cristo.” 3

O mais prático, portanto,  é esperar a crise passar, e a pandemia passará! Realizemos estudos, palestras, preces, irradiações mentais, atendamos os encarnados que sofrem por meio do diálogo fraterno. Os desencarnados em sofrimento receberão as nossas energias e fluidos pelos vínculos da prece.

Pensemos a respeito! A nossa fé, a fé espírita é raciocinada!

 

Referências Bibliográficas

  1. KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 10. imp. Brasília: FEB, 2020. Introdução, p. 19.
  2. Viagem espírita de 1862. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 1 ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Item I: Discursos pronunciados nas reuniões gerais dos espíritas de Lyon e Bordeaux, p. 53.
  3. XAVIER, Francisco Candido. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed. 11. imp. Brasília: FEB, 2020. Q. 411, p. 266.

 

Natural de Pedra Azul (MG), Marta Antunes de Oliveira de Moura nasceu em 3 de maio de 1946. Nascida em lar de ascendência holandesa com pais e avós espíritas, mudou-se para Brasília (DF) em 1963, local em que se formou na área de Biologia e Biomedicina pela Universidade de Brasília. Trabalhou na área de saúde coletiva e diagnóstico laboratorial, atuou como foi professora de nível médio e superior. Participante ativa da Doutrina, sempre se dedicou às atividades de formação doutrinária do trabalhador espírita. Integrante da Federação Espírita Brasileira (FEB) desde 1980, atualmente é coordenadora das Comissões Regionais na área da Mediunidade e uma das vice-presidentes da Federação. Coordenadora da Área de Mediunidade do Conselho Espírita Internacional(CEI). Casada, mãe de três filhos e avó de oito netos, Marta Antunes de Moura ainda colabora frequentemente com artigos para a revista Reformador. Colaborou com a FEB Editora com o livro: Atendimento espiritual pelo passe.